sábado, 2 de agosto de 2008

opinião ..

Opinião

00h30m
O homem, jovem, movimentava-se num desespero
agitado entre um grupo de mulheres vestidas de
negro que ululavam lamentos. "Perdi tudo!" "O que
é que perdeu?" perguntou-lhe um repórter.
"Entraram-me em casa, espatifaram tudo. Levaram
o plasma, o DVD a aparelhagem..." Esta foi uma das
esclarecedoras declarações dos autodesalojados da
Quinta da Fonte. A imagem do absurdo em que a
assistência social se tornou em Portugal fica clara
quando é complementada com as informações do
presidente da Câmara de Loures: uma elevadíssima
percentagem da população do bairro recebe
rendimento de inserção social e paga "quatro ou
cinco euros de renda mensal" pelas habitações
camarárias. Dias depois, noutra reportagem outro
jovem adulto mostrava a sua casa vandalizada,
apontando a sala de onde tinham levado a TV e os
DVD. A seguir, transtornadíssimo, ia ao que tinha
sido o quarto dos filhos dizendo que "até a TV e a
playstation das crianças" lhe tinham roubado. Neste
país, tão cheio de dificuldades para quem tem
rendimentos declarados, dinheiro público não pode
continuar a ser desviado para sustentar predadores
profissionais dos fundos constituídos em boa fé para
atender a situações excepcionais de carência. A
culpa não é só de quem usufrui desses dinheiros. A
principal responsabilidade destes desvios cai sobre
os oportunismos políticos que à custa destas bizarras
benesses, compraram votos de Norte a Sul. É
inexplicável num país de economias domésticas
esfrangalhadas por uma Euribor com freio nos
dentes que há famílias que pagam "quatro ou cinco
Euros de renda" à câmara de Loures e no fim do mês
recebem o rendimento social de inserção que, se
habilmente requerido por um grupo familiar de
cinco ou seis pessoas, atinge quantias muito acima
do ordenado mínimo. É inaceitável que estes
beneficiários de tudo e mais alguma coisa ainda
querem que os seus T2 e T3 a "quatro ou cinco euros
mensais" lhes sejam dados em zonas "onde não haja
pretos". Não é o sistema em Portugal que
marginaliza comunidades. O sistema é que se tem
vindo a alhear da realidade e da decência e agora é
confrontado por elas em plena rua com
manifestações de índole intoleravelmente racista e
saraivadas de balas de grande calibre disparadas
com impunidade. O país inteiro viu uma dezena de
homens armados a fazer fogo na via pública. Não
foram detidos embora sejam facilmente
identificáveis. Pelo contrário. Do silêncio cúmplice
do grupo de marginais sai eloquente uma mensagem
de ameaça de contorno criminoso - "ou nos dão uma
zona etnicamente limpa ou matamos." A resposta do
Estado veio numa patética distribuição de flores a
cabecilhas de gangs de traficantes e
autodenominados representantes comunitários,
entre os sorrisos da resignação embaraçada dos
responsáveis autárquicos e do governo civil. Cá fora,
no terreno, o único elemento que ainda nos separa
da barbárie e da anarquia mantém na Quinta da
Fonte uma guarda de 24 horas por dia com
metralhadoras e coletes à prova de bala.
Provavelmente, enquanto arriscam a vida neste
parque temático de incongruências socio-políticas,
os defensores do que nos resta de ordem pensam que
ganham menos que um desses agregados familiares
de profissionais da extorsão e que o ordenado da
PSP deste mês de Julho se vai ressentir outra vez da
subida da Euribor.
(M.C.)

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